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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Remake da vida real

Parece notícia velha. E é. É, porque todo mundo sabe que verão forte e calor escaldante resultam em chuvas torrenciais, deslizamentos, mortes e cidades isoladas. Infelizmente todo mundo sabe, mas muitos não querem saber ou fingem nada saber. O que acontece na Região Serrana do Rio de Janeiro é um "remake" do que aconteceu na região de Angra dos Reis no ano passado e que vai acontecer, infelizmente, em algum outro ponto do estado no ano que vem. Não precisa ser tarólogo, numerólogo ou vidente para prever isso. Afinal, muito pouco ou nada é feito para evitar tais tragédias. Conta-se nos dedos as cidades brasileiras que efetivamente tenham um planejamento urbano. Não em teoria, porque todas elas devem ter. E sim na prática.

Tem também a questão da política habitacional. No ano passado, o Ministério das Cidades revelou que o déficit habitacional no país em 2008 era de 5,8 milhões de domicílios e que 82% deste déficit está concentrado em áreas urbanas, segundo estudo da Fundação João Pinheiro. Cenário ideal para o crescimento desordenado de qualquer cidade. Quem passa pela Rio-Bahia na altura de Teresópolis, ou pela estrada União-Indústria, em Itaipava, ambas na serra fluminense, sabe o que é isso. Há 15 anos, existiam poucas construções nas encostas. Hoje, as margens dessas duas estradas estão repletas de construções precárias, sem qualquer planejamento, urbanização ou ordenamento por parte do poder público.

E logo colocam a culpa no sujeito que foi morar lá. Só que muitas dessas ocupações, seja na serra ou nas metrópoles como Rio e São paulo, segundo denúncias dos próprios moradores, são motivadas por políticos. Eles fornecem material de construção já pensando no troco em forma de voto na próxima eleição. Aí, temos de ouvir do prefeito de São Paulo que a população sabe do perigo de morar lá. Ou ouvir de muitas pessoas, no frescor de seu apartamento com ar-condicionado, dizer que favelado gosta de morar no morro para não gastar muito, não pagar IPTU, ficar perto do trabalho, ter vista para a praia, entre outras baboseiras.

Alguém realmente em sã consciência acha que o cara fica em um barraco pronto para cair porque gosta? Vamos focar no Rio. O salário-mínimo hoje no Estado é de R$ 581,11. Vamos supor que o cara ganhe R$ 1 mil líquido por mês. Na Cidade Maravilhosa, não se aluga um imóvel de dois quartos e sala por menos de R$ 500 com muita facilidade. Procurando, pode-se achar em bairros distantes da Zona Oeste, como campo Grande e Bangu, de onde se leva, em condições normais, duas horas para ir ao Centro. Quer dizer, sobra R$ 500 para o cara comer, pagar luz, água é gás, se vestir, ir para o trabalho etc. Ou seja, as pessoas pagam R$ 600, R$ 700 ou R$ 1 mil por mês de salário e querem que seus funcionários morem no "asfalto" de uma das cidades mais caras do mundo para se morar.

Mas aí dizem: por que não mora lá longe? Sim, é fácil criar esse Appartheid imobiliário. Joga-se as classes D e E lá para Sepetiba – nada contra Sepetiba pois passei bons momentos da infância por lá. Mas, depois, os mesmos que reclamam se queixam que o funcionário que mora lá não tem, produtividade boa, chega atrasado, gasta muito com passagem, etc etc etc. Pois bem, o cara mora a duas horas de ônibus do Rio, uma cidade onde os transportes públicos e de massa estão longe de serem exemplos e referências de bom atendimento.

Um exemplo que ilustra essas contradições tipicamente brasileiras é o próprio Censo 2010. Os primeiros dados do IBGE apontam que há atualmente no país 6,07 milhões de domicílios vagos. Ou seja, eles acabariam com o déficit habitacional calculado em 5,8 milhões. Mas por que há tantos imóveis desocupados? Tirando a parte da especulação imobiliária, fica claro que a maior parte da população brasileira que se enquadra nesse déficit não tem poder aquisitivo para comprar ou alugar uma casa ou apartamento.

O outro lado também não ajuda muito. Reportagem do jornal "Extra" em abril do ano passado, logo após as enchentes que devastaram o Grande Rio, revelou que a Prefeitura de Niterói aplicou apenas 0,01% do orçamento de 2009 na construção de casas populares, o que significava, na época, R$ 94,3 mil em recursos aplicados. Pois bem, a cidade foi uma das mais atingidas pelas chuvas de abril de 2010, com deslizamentos e mortes em diversas comunidades. E cada tragédia só aumenta a dimensão do problema. Segundo reportagem do portal Uol em julho do ano passado, as enchentes que atingiram Alagoas aumentaram em 15% o deficit habitacional do Estado.

O Governo Federal diz que a meta é liquidar com esse déficit nacional de 5,8 milhões de domicílios até 2023, com programas como o "Minha Casa, Minha Vida" e com a segunda fase do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento. Pois bem, até 2023 falta muito. E as consequências do que não foi feito lá atrás estão aí. E estarão, infelizmente, no ano que vem. Enquanto isso, São Pedro não conta com advogados para cuidar da sua defesa.


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