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sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O Diabo no corpo de Mr. Chávez


Sempre desconfiei da "demonização" gratuita do Hugo Chávez. Não que eu o ache um santo. Vejo nele um caudilho com uma aura militarista que me deixa receoso. Porém, quando o país mais poderoso do mundo só faz campanha contra (enquanto apoia uma dúzia de déspotas mundo afora), é preciso estar atento. Digo isso porque estive na Venezuela por quatro dias. Pouco para tirar conclusões, mas o suficiente para perceber alguns exageros.

Hospedado em Valencia, a terceira maior cidade do país, em todos os dias observei as manchetes dos jornais da região, e também do "El Universal" e o "El Nacional", dois dos principais do país e de Caracas. Às vésperas das eleições, que acontecem dia 3 de outubro, as fotos principais da maioria das capas eram do Henrique Capriles Radonk, candidato da oposição e considerado favorito na disputa pela presidência, o que encerraria uma década e meia de Chavismo.

Aquilo me surpreendeu. Afinal, o que nos chega é que há um controle, uma censura aos meios de comunicação venezuelanos por parte de Chávez e seu "populismo absolutista". Mas, ao folhear os diários, havia mais páginas dedicadas a Capriles do que a Chávez. Ao mesmo tempo, a maior parte dos editoriais revelava o apoio ao candidato oposicionista.

Uma das edições mais emblemáticas foi a do "El Universal", de 22 de setembro (que fiz questão de trazer comigo na bagagem). A foto maior da capa era de Capriles - a foto de um comício de Chávez na cidade Mérida estava em uma chamada de pouco destaque, abaixo da manchete do candidato adversário. Abri o jornal: uma página inteira para Capriles, um quarto de página para o atual presidente.

Corri os dedos e os olhos para as páginas de opinião. Contei 13 editoriais abordando política. E os 13 eram assumidamente pró-Capriles. Um deles deixava claro que o pleito de 3 de outubro trazia ao povo a oportunidade de "escolher entre o futuro (Capriles) e o passado (Chávez)". No restante do jornal, curiosamente, Chávez aparecia de costas em todas as imagens - e ainda havia um anúncio de sua campanha em um pé de página.

Acessei o site do "El Nacional" hoje. A capa traz a foto dos dois candidatos, mas acima tem a chamada da entrevista com a mãe do candidato da oposição. Nos links de opinião, vários a favor de Capriles. Observo o link de uma revista chamada "Exceso". A capa é o Chávez em uma caricatura de Pinóquio, com direito a nariz grande e tudo.

Na volta desta viagem à Venezuela, fiz uma conexão em Bogotá. Na TV do aeroporto, a CNN transmitia uma entrevista de mais de uma hora com... Capriles. E depois, uma sequência de análises de políticos e comentaristas especializados sobre a provável derrota de Chávez. Até aí, tudo bem, estava na Colômbia, país que não nutre qualquer simpatia por Chávez. E a rede de TV estadunidense também não parecia esconder sua preferência política.

E o que a CNN passa para o resto do mundo é justamente esse controle exacerbado sobre a mídia venezuelana. Confesso que não tive tempo para assistir à programação televisiva, mas, em termos de mídia impressa, não consegui enxergar esta censura do governo de Chávez.

É preciso ficar atento com os rótulos e estereótipos exagerados que o sistema gosta de vender, principalmente na América do Sul. Quando envolve política, Estados Unidos e um produtor estratégico de petróleo, então...

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Quem está à deriva...

Deixa ver se eu entendi. A companhia que administrava o serviço de barcas no Rio de Janeiro foi privatizada no fim dos anos 90 na onda neoliberal da tucanada. A receita de bolo da justificativa era melhorar o serviço e desonerar o Estado que, teoricamente, tem a obrigação de oferecer transporte, saneamento, educação, saúde, entre outras coisas, aos cidadãos. Não cabe aqui nem entrar no mérito da qualidade das Barcas S/A desde sua privatização (que os políticos adoram camuflar com o termo concessão), pois é notório o lixo de serviço que eles prestam à população.

O que eu quero entender é por que raios o Estado continua derramando dinheiro na Barcas S/A se ela foi privatizada justamente para o dinheiro dos contribuintes ser investido em outras áreas? Isso mesmo, o Governo do Estado ajuda a Barcas S/A privatizada: por contrato, terá de comprar novas embarcações e reformar os terminais da Praça 15 e da Praça do Arariboia.

As autoridades públicas fazem vista grossa para o mal serviço e descaso das Barcas S/A, não aplica multas, não cassa a concessão e ainda por cima tem de fazer investimento para a empresa. E, mesmo assim, a incompetente Barcas S/A, aquela que presta um serviço porco e trata os usuários como gado, consegue ter uma dívida de R$ 89 milhões, segundo reportagem do jornal O Globo do dia 5 de abril (veja aqui). Detalhe: a Barcas S/A tem a tarifa mais rentável do país (se bobear, do universo). Cobrava R$ 2,80 até bem pouco tempo atrás e agora cobra R$ 4,50 para maltratar o usuário.

Além da vista grossa do Governo, que não aplica multa contra a Barcas S/A, tampouco tem peito para cassar sua concessão, essa tarifa de R$ 4,50 é subsidiada sabem por quem? Duas mariolas para quem pensou no Governo do Estado. Quer dizer, quem paga o aumento de passagem de uma empresa privatizada de quinta categoria é o contribuinte. E quem tem a infelicidade de precisar usar os serviços péssimos da Barcas S/A paga, então, duas vezes!

Na época do aumento, algum secretário engravatado comentou que o reajuste era necessário para evitar a quebra da Barcas S/A. Então, vamos entender: o contribuinte que não tem colégio para o filho, espera três dias para ser atendido em um hospital público, fica horas na fila de bancos, barcas, ônibus, da Supervia e do Metrô Rio, paga um dos impostos mais caros do mundo, tem, ainda, de arcar com a incompetência de uma empresa como a Barcas S/A, que não sabe gerir um serviço essencial e que maltrata esse mesmo contribuinte...

Agora, a Barcas S/A passou a ter controle majoritário da CCR, a mesma que explora rodovias privatizadas, inclusive, a Ponte Rio-Niterói. Dizem que a Barcas S/A presta este lixo de serviço porque era controlada pela empresa de ônibus 1001. Dá para acreditar que algo vai melhorar? Ou que o Governo vai tomar alguma atitude?

Eu não entendo nada mesmo...


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quarta-feira, 4 de abril de 2012

Lá vem o pato


Não foi você quem causou a crise. Odeio começar qualquer texto com negativa, mas para tal assunto não (olha ele novamente) tem jeito. Não foram os trabalhadores os motivadores das turbulências econômicas que varrem a Europa, sacodem os Estados Unidos e respingam nas tais nações emergentes. Os caras que batem ponto todos os dias nas fábricas e empresas da Grécia, Espanha, Portugal, Irlanda e Itália não têm culpa alguma. Mas são eles quem vão pagar o pato. Na velha lógica do capitalismo arcaico, a corda oportunamente só arrebenta do lado mais fraco.

Nessa ciranda da crise econômica global, os poderosos brincam de banco imobiliário com o mundo. Os governantes pedem empréstimos esquecendo que a zona do Euro só tem moeda unificada – os juros continuam “independentes” –, as autoridades gastam aos borbotões e os especuladores deslocam suas fortunas ao seu bel-prazer. Sem qualquer regulamentação ou disciplina, sem gerar qualquer riqueza, produtividade ou emprego, podem quebrar um país com um simples clique no computador.

A solução mais prática, obviamente, é adotar os tais planos de austeridade. Benefícios sociais (que são obrigação de qualquer estado democrático) são expurgados, salários são reduzidos... tudo em nome da austeridade e para garantir ao investidor – aquele mesmo que, da sua cadeira, só lucra sem gerar qualquer riqueza – que ele pode continuar investindo ali.

O raciocínio é esse: um dos geradores da crise têm de ter garantido o seu ganha-pão. Quem vai para o sacrifício é a base da pirâmide. Mas será que cortando empregos e salários se salva uma economia?

Austeridade deveriam ter os governantes e investidores mundiais. Ética, disciplina e compromisso com quem move as economias mundo afora também não seria nada mal para esta turma. Aguardemos os próximos capítulos pois a crise não começou agora. Nem vai parar amanhã.

sábado, 10 de março de 2012

Valcke não é o único malvado



Fui e continuo contra a realização de Olimpíada e Copa do Mundo no Brasil. Acho que tudo é feito com a desculpa de trazer um legado para a cidade e o país, mas, na minha humilde opinião, infra-estrutura e o acesso da população aos princípios básicos de qualquer democracia deveriam ser, na verdade, pré-requisitos para os postulantes à sede de tais eventos esportivos. Utopia. Tais competições hoje suplantaram o objetivo do esporte e servem de barganha política, salvação econômica – e, claro, uma oportunidade para dirigentes, empresários e políticos malandros levarem o seu quinhão. Aqui, então, imaginem a festa.


Pois bem, Copa e Olimpíada estão aí, não tem jeito. Tem gente muito feliz com ambos os jogos por questões, digamos, comerciais, e a infra-estrutura das cidades e do país tende a melhorar. “Tende” porque tudo aqui no Brasil se arrasta. E isso irrita demais.


Deixemos de lado nacionalismos e submissão à cartilha da Fifa. Mas Jérôme Valcke, secretário-geral da entidade que manda e desmanda no futebol mundial, estava mesmo errado? Foi arrogante e indelicado, sem dúvida. Errou o tom. E foi um prato cheio para nossos governantes e autoridades virem com bravatas sob o pano do nacionalismo para se defenderem e, na verdade, desviarem atenção da raiz da queixa de Valcke: o Brasil continua uma piada no exterior.


As obras se arrastam, enquanto autoridades ficam discutindo o sexo dos anjos. Obras de infra-estrutura que, como escrevi anteriormente, deveriam ser obrigatórias. Temos malhas de metrô ridículas em São Paulo e no Rio. O da Cidade Maravilhosa, então, é piada.


Sem contar a qualidade dos serviços. A cidade que vai sediar a Olimpíada sequer consegue oferecer transporte decente para os usuários – detalhe que os principais meios de transporte de massa foram privatizados em nome de serviços de qualidade, pontuais e baratos e desonerar o Estado. Já o país que vai sediar a Copa não consegue sequer respeitar a Constituição: nega educação e saúde à população. Mas isso é assunto para outro post.


E mesmo sem conseguir tratar seus cidadãos com o mínimo de decência, esse mesmo país e essa cidade conseguem ganhar a Copa e os Jogos Olímpicos. E ainda têm a audácia de atrasar as obras essenciais para a realização de tais eventos. E ainda ficam ressabiados com o que o secretário da Fifa falou.


Isso sem contar os políticos que esbravejam contra as regras impostas pela Fifa (como se tivessem moral para tal). Em nome da soberania nacional, querem manter direitos como meia entrada e proibição de venda de bebidas nos estádios. A primeira só serve para a proliferação de estudantes que não existem – e a especialização em falsificação de carteirinhas e boletos bancários.


A segunda é uma das muitas ações paliativas das nossas nobres autoridades. Como não existe competência para fiscalizar e punir quem provoca violência nos estádios, colocam a culpa na bebida alcoólica.


Mas, vamos lá... Um dos principais patrocinadores da Fifa e do Mundial da senhora Fifa é uma marca de cerveja famosa. Vocês acham mesmo que, quando o Brasil resolveu se candidatar à sede da Copa não tinha um documento lá que avisava que a tal cerveja ia vender suas latinhas nos estádios? E vocês acham que o Brasil não se submeteu a todos os outros termos da Fifa para poder abrigar o acontecimento mais importante do futebol???


Então, paremos de demagogia, de ufanismos baratos. O culpado pelas imposições da Fifa é única e exclusivamente o Estado brasileiro. Aceitou jogar o jogo deles, tem de dançar conforme a música, vendeu a alma ao diabo, há vários termos para definir a relação promíscua entre o país-sede e a Fifa. Agora, aguente as consequências e imposições, por mais arbitrárias que possam parecer.


Valcke é mais um burocrata de um organismo que trata o futebol da forma mais mesquinha possível. Mas disse a verdade. E a verdade dói.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Rock Latino Americano: Tijuana No!


Contra o sistema de corpo e alma. Essa é a essência do Tijuana No!, banda mexicana da cidade de mesmo nome e que pode ser conhecida por muitos por ter contado com a participação de Julieta Venegas nos seu, digamos, período embrionário. O grupo, que terminou em 2002, nasceu em 1990 e já trazia no nome a contestação. Surgiu como No, até que os integrantes descobriram que já existia um conjunto de mesmo nome. Mudaram para No de Tijuana, mas logo depois adotaram a alcunha de Tijuana No!, com direito à exclamação. Uma forma de embasar, talvez, suas letras carregadas de ataques políticos e sociais.

Miséria, corrupção, desigualdade social, racismo e as políticas de imigração no vizinho do norte. Tudo isso e um pouco mais recebeu o som de ritmos que vão do ska e do reggae a punk rock e com pitadas de sons indígenas e latinos. Uma verdadeira salada de ritmos temperada com letras ácidas. Alguém mais desavisado pode até achar que o grupo se parece com o Manu Chao. E, realmente, o Tijuana No! não apenas compartilha a visão política e crítica do cantor francês, como o ex-Mano Negra fez participações em algumas gravações e apresentações da banda.

Como em “Transgressores de La Ley”, que pode ser visto em um vídeo bem “caseiro” no You Tube (veja aqui). Nele, se vê uma bandeira do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), grupo que iniciou um movimento guerrilheiro em Chiapas, em 1994, e que tem forte presença no sul do México, uma das regiões mais esquecidas pelas autoridades do país. Assim como o Manu Chao, o Tijuana No! declara abertamente o seu apoio ao grupo. Em certas gravações, inclusive, há mensagens embutidas do Subcomandante Marcos, líder do movimento. A música pode ser melhor entendida em um clipe também no You Tube (veja aqui).

A simpatia explícita por movimentos políticos e sociais de cunho revolucionário pode ter custado portas ao Tijuana No!. Mas o aspecto marginal e caseiro de suas produções em vídeo, por exemplo, é o grande barato do grupo. E sugerem que a banda era pouca afeita a holofotes e fama superficial. Preferia mesmo fazer shows e expressar suas visões, seus descontentamentos e as veias abertas do seu país. Tanto que é preciso garimpar suas músicas através de vídeos na internet. Não existe página oficial da banda (ou eu não tive expertize suficiente para encontrá-la). Há um tímido espaço no My Space (myspace.com/tijuanano) e uma página não oficial no Facebook (/Tijuana-No-official-band-page).

Quem tiver paciência para garimpar vai encontrar canções viscerais comandadas por Paola Tellez (voz), Luis Güereña (voz e percussão), Teca García (voz, percussão e flautas), Jorge Velazquez (baixo), Jorge Jímenez (guitarra), Alejandro Zuñiga (bateria), Dardin Coria (teclados), além do DJ Tijuas nas carrapetas. Como “Niños de La Calle”, do segundo álbum, “NO”, de uma gravadora independente, que . Ainda no CD, de 1993, “Cowboys Asesinos” é uma divertida crítica aos estadunidenses. “Si”, por sua vez, é um rock que começa despretencioso e com as indefectíveis flautas indígenas latinas. Já “Fiesta de Barrio” (com participação novamente de Manu Chao) exalta o bom e velho reggae.

Pobre de Ti” foi o primeiro grande sucesso e faz parte do terceiro álbum, “Transgressores de La Ley” (da mesma música falada acima), de 1994. A canção pode ser conferida em uma apresentação ao vivo no Festival Vive Latino em http://www.youtube.com/watch?v=XB4GyFcDLGc, que conta até com a participação de Julieta Venegas grávida. O show é de 2010? Bem, os integrantes ainda se reúnem esporadicamente para prestar homenagem ao vocalista, percusionista e líder da banda Luiz Güereña, que morreu em 2004.

Sons imperdíveis deste CD são “Spanish Bombs” e “Borregos Kamikazes”, este mais uma vez com participação de Manu Chao. O cantor basco Fermin Muguruza, autor de letras fortes de punk rock e simpatizante do movimento separatista basco ETA (Pátria Basca e Liberdade, na tradução do basco para o português), participa das faixas “La Esquina del Mundo” e “Pobre Frida”.


Em “Contra Revolución Avenue”, de 1998, Muguruza também participa de “Renace La Montana”. Já no “Rock del Milenio” (1999), o Tijuana No! traz “La Migra”, mais um venenoso e divertido deboche em torno da questão da imigração. O início da canção sugere uma situação de mexicanos tentando atravessar a fronteira até serem interpelados por um truculento policial dos EUA, que fala um espanhol atravessado na gravação original: “Hey mecsicanos, no moverse pa tras de la frontera. Nosotros no quererlos aquí en los Estados Unidos. Ustedes estar muy feos!”. A música faz parte do set list do mesmo show do Vive Latino linkado acima (veja aqui).

A “despedida” do Tijuana No! foi com um álbum ao vivo em Bilbao, em 2000, no País Basco. Um show, segundo relatos na rede, inesquecível e com a pegada ácida de sempre. Uma crítica que serve como grito para muitos mexicanos e outros povos e que realçam o caráter peculiar de muitas bandas de rock latino americanas. As veias abertas podem e ainda são cantadas no continente.

Fotos: Divulgação

terça-feira, 29 de março de 2011

Carro nacional: passou da hora

Em um mundo totalmente globalizado e interligado, onde um veículo pode ter componentes dos cinco continentes do mundo, seria utópico falar em carro 100% nacional. Só que neste mesmo mundo de transformações econômicas e de novos países alçados ao posto de potências comerciais, o Brasil carece não de um carro nacional, mas de uma marca genuinamente brasileira. Muitos projetos ficaram para trás, como Gurgel e JPX, e o mais recente, a Troller, além de bem segmentado, está nas mãos da Ford. Ou seja, o Brasil é o único país do Bric (grupo de mercados emergentes composto por Brasil, Rússia, Índia e China) que não possui uma marca própria de automóveis.

O que me lembra uma frase de um entrevistado, à qual sempre gosto de citar e recorrer. Luiz Carlos Mello, ex-presidente da Autolatina e consultor do Centro de Estudos Automotivos (CEA), costuma dizer, com propriedade: “Temos uma indústria brasileira, mas não uma indústria automobilística nacional de fato”. É verdade que o executivo refere-se muito à flexibilidade para as filiais instaladas aqui exportarem para onde bem quiserem, mas a frase se aplica ao universo automobilístico. Uma marca nacional, com produtos de qualidade e com preços competitivos, pode ser o primeiro passo de uma transformação gradual de alguns paradigmas engessados do mercado.

Peculiaridades brasileiras já existem no cenário automotivo. Afinal, diversas marcas criaram carros e segmentos específicos para o mercado verde e amarelo. Pode-se dizer que sedãs, stations wagons e pick-ups compactas foram invencionices brasileiras. Até mesmo derivações sedãs de modelos médios são muito populares aqui – e também no Mercosul e na China, mas não têm qualquer força na Europa.

Muitas montadoras também aprenderam a lidar com o Brasil. A Renault é o exemplo recente mais emblemático. O Sandero foi o primeiro produto desenvolvido pela marca francesa fora da Europa. Hoje, é o carro mais vendido da montadora no Brasil. A Renault nada mais fez do que seguir a receita das quatro grandes fabricantes instaladas aqui, que há décadas desenvolvem modelos ou configurações específicas para o mercado nacional.

Mas e uma marca brasileira? João Augusto Conrado do Amaral Gurgel tentou com uma montadora que levava seu nome e com carros considerados, por muitos, revolucionários. A história diz que esbarrou em problemas de faltas de incentivos governamentais e pressão da concorrência. Eike Batista também tentou com a marca de jipes JPX, mas também não conseguiu dar prosseguimento devido a problemas com fornecedores e à falta de experiência da rede de concessionários.

O próprio empresário, contudo, em entrevista à Globo News, confirmou o intuito de desenvolver um veículo de uma marca nacional. Na ocasião, Eike disse que uma grande montadora ofereceu uma plataforma e a partir de uma equipe de engenheiros e designers brasileiros e com fornecimento de aço de duas siderúrgicas, é possível fazer um carro brasileiro. “Estamos com a auto estima no lugar certo e com base tecnológica, uma combinação explosiva e feliz”, comentou no programa “Conta Corrente”. Eike, inclusive, no ano passado já tinha revelado planos de investir US$ 1 bilhão para a fabricação de um carro elétrico na região do Porto do Açu, em São João da Barra (RJ), e ainda estaria em negociações com a Nissan.

Realmente o momento não poderia ser mais propício. Em 2010, o Brasil foi o quarto maior mercado de veículos do mundo. Temos 12 marcas diferentes com fábricas aqui, planos de expansão e projetos de novas unidades, como as da Toyota e da Hyundai. Só as chamadas quatro grandes – Fiat, Ford, General Motors e Volkswagen – vão investir mais de R$ 20 bilhões até 2015. As filiais remeteram nada menos que US$ 4 bilhões em lucros para as matrizes no ano passado e a projeção da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) é que daqui a quatro anos o mercado interno absorva 6 milhões de unidades.

O panorama é positivo, a economia vai muito bem, o poder aquisitivo aumenta e o mercado de automóveis bate recordes. Passou da hora de uma marca brasileira. Quem se habilita?

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terça-feira, 1 de março de 2011

Rock Latino Americano: Aterciopelados


Essa eu e minha mulher descobrimos enquanto descíamos as sinuosas estradinhas do Cañon del Chicamocha, um visual estonteante de cânions no coração da Colômbia. Tínhamos acabado de deixar as históricas e simpáticas Villa de Neyva e Barichara e estávamos rumo ao litoral caribenho colombiano quando sintonizamos mal e porcamente uma estação de rádio que tocava esta banda, que, provavelmente, muita gente já conhece (mas que eu, na minha ignorância musical, desconhecia). O Aterciopelados prepara o seu oitavo álbum, tem vários prêmios Grammy nas costas e os aficionados por games provavelmente já escutaram “Paces” no Fifa Soccer 2008. Em 2006, foi considerado pela revista estadunidense “Time” como o terceiro melhor grupo musical do mundo. Só que o fato mais emblemático desta dupla colombiana é que uma de suas músicas, “Cancion Protesta”, foi escolhida como o Hino dos Direitos Humanos pela Anistia Internacional (AI), cujo clipe é encontrado facilmente no You Tube (veja aqui).

A escolha da bela melodia dos Aterciopelados para ser o tema da AI é mais do que coerente. O grupo (ou dupla) sempre se caracterizou por evidenciar suas letras críticas. Antes mesmo de cantarem “Contra los talabosques/Contra los armaguerras/Contra los cazapatos/Contra los bajanota/Suena otra canción protesta/Pero no la llamen terrorista/No es que sea antipatriota/Es que trae otro punto de vista”, Andrea Echeverri e o baixista Héctor Buitrago já tinham cutucado o sistema com outras músicas. “Colombia Conexión”, “Bandera” e “Quemarropa” vêm carregadas de críticas políticas e sociais, enquanto “Caribe Atômico” faz questionamentos ambientais, que se tornaram uma vertente do Aterciopelados.


O engajamento se confunde com a própria dupla. No lançamento do último CD “Rio”, de 2008, com a música “Treboles”, o Aterciopelados promoveu um evento chamado “Ninguna Mata, Mata”, com ciclos de palestras, meditações, exposições, vídeos, grupos de canto, entre outras ações que tiveram como tema o meio ambiente. No site da dupla (www.aterciopelados.com) há um vídeo experimental sobre um “Green Man” e outros links sobre questões sociais e “verdes”, como o “Canto al Água” e até a íntegra de uma decisão judicial sobre “La Mata que Mata”, uma campanha publicitária do Ministerio de Interior y Justicia y a la Dirección Nacional de Estupefacientes da Colômbia, considerada ofensiva e prejudicial aos direitos individuais de uma índia Nasa, que é responsável pela Coca Nasa, bebida à base da planta de coca.

Essa preocupação social dita a carreira do Aterciopelados desde seu início. O conjunto surgiu em 1990, sob a alcunha de Delia y los Aminoácidos. Dois anos mais tarde adotou o nome atual. O lançamento do primeiro álbum “Con el Corazón en la Mano” aconteceu em 1994. Foi o segundo CD, contudo, que evidenciou a banda. “El Dorado”, de 1995, vendeu mais de um milhão de cópias (600 mil fora da Colômbia) e trouxe canções como “Florecita Rockera”, “La Estaca”, “Candela” e “Bolero Falaz”, música que ganhou projeção na MTV Latina. Andréa Echeverri ainda participou do disco “Umplugged”, do Soda Stereo (grupo argentino que também vai figurar na série sobre Rock Latino Americano deste blog, em breve), e da faixa "Tudo Vai Ficar Bem", dos brasileiros do Pato Fu.


Outros discos vieram e depois de trabalhos solo de cada um dos protagonistas da banda, lançaram “Oye”, em 2006. “Cancion Protesta” faz parte deste álbum, que ainda conta com a excelente e ácida “Don Dinero”, uma crítica clara ao consumismo desenfreado e ao imperialismo das grandes potências. O Grammy Latino veio neste CD, considerado o Melhor Álbum de Música Alternativa. As turnês pelas Américas e pela Europa tomaram a agenda da dupla.

O Aterciopelados, aliás, é considerado um grupo de rock alternativo, adjetivo que, na minha humildíssima opinião, inventam para rotular toda banda que busca outros ritmos, como muitas que vou falar nessa série sobre Rock Latino Americano. É verdade que o álbum “Caribe Atômico”, de 1998, tem um lado “alternativo” bastante evidente e uma pegada eletrônica interessante, tanto que rendeu ao grupo outro Grammy, desta vez de Melhor Álbum de Rock Alternativo Latino.


O fato é que a dupla colombiana em questão não foge de suas raízes latinas. Nem mesmo em seu figurino, onde os dois usam e abusam de vestimentas indígenas e tradicionais da Colômbia. Além disso, o Aterciopelados usa de toques de rumba e salsa em muitas de suas canções, como “El Álbum” e “La Colpable”. A faceta rock fica evidente em músicas como “La Estaca” e “Florecita Rockera”. Também busca ritmos indígenas em “Dia Paranormal”, pitadas claramente pop em “No Necesito”, “Treboles” e “Rio” e até um passeio pelo tango em “Maligno”.
Muitas destas canções relacionadas podem ser escutadas no My Space oficial do grupo (myspace.com/aterciopelados). No site da dupla também é possível escutar outras, entre elas “Ataque de Risa”. Tem mais deles no Facebook (facebook.com/aterciopelados) e é possível segui-los no Twitter (@aterciopelados). Boas maneiras de conhecer melhor a banda, suas músicas e suas ações engajadas, que sempre merecem reflexão. Seja no Cañon del Chicamocha ou deitado no chão da sala.

Fotos: Site oficial do Aterciopelados