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sábado, 26 de fevereiro de 2011

Ei, você aí! Me dá um transporte aí!

Sempre que há um evento no Rio de Janeiro, as autoridades públicas batem na tecla da mesma ladainha: “deixem o carro em casa”. Seja para um jogo de futebol mais importante, por conta de um show musical mais impactante, ou para o Carnaval, cujos cartazes para utilizar táxi, metrô, trens e ônibus, aliás, estão espalhados pela cidade. Linda esta iniciativa da Prefeitura. Se houvesse reciprocidade. Se o município oferecesse ao cidadão transporte público decente ou transporte de massa.

Principalmente transporte de massa, que inexiste no Rio de Janeiro e em outras grandes cidades do País. Há uma peculiar diferença entre transporte de massa e transporte público. O de massa é aquele que acomoda e leva um grande volume de pessoas, como trens, metrôs e barcas, essencial para a mobilidade nas metrópoles. O transporte público é o feito por ônibus, por exemplo. Pois bem, nenhum dos dois funciona no Rio de Janeiro. O transporte de massa é pífio, falho, de má qualidade, assim como o transporte público. E, mesmo assim, a autoridade pública reprime cada vez mais o uso de carros e quer que o folião, no Carnaval, fique à mercê do transporte que não tem nada de público.

Sou contra essa quantidade exagerada de carros nas ruas, mas eles são o reflexo do descaso de décadas para com o transporte na Cidade Maravilhosa. Foco no Rio porque faz parte do meu cotidiano, mas é nítido que São Paulo e muitas capitais brasileiras sofrem do mesmo mal. Alguém acha mesmo que o sujeito prefere ficar duas horas no engarrafamento se tivesse um metrô abrangente, pontual e de boa qualidade? Ou se pudesse usar um trem limpo, pontual onde não levasse chibatadas de seguranças?

A questão é que o transporte está lá, mas não funciona. Os intervalos entre uma composição e outra do Metrô Rio, por exemplo, são, em média, de 5,30 minutos. O erro já começa pelo contrato de concessão, aliás. Estabelecido em dezembro de 2007, o documento prevê que o intervalo deve ser de 4, 45 minutos na Linha 1 e de 6,30 segundos, na Linha 2. Detalhe, estabeleceram intervalos maiores justamente para a linha mais procurada, que liga a Pavuna e a Baixada Fluminense (onde o transporte público é ainda mais falho) ao Centro e à Zona Sul. E como assim 4,45 minutos? O metrô de Paris, muito mais complexo e ramificado que o carioca, tem intervalos de 1,30 minutos durante os horários de pico.

Todos os engenheiros de tráfego e especialistas em trânsito com quem já falei em entrevistas são unânimes: o metrô, para ser eficiente, tem de ter, no máximo, um intervalo de 2,30 minutos. O resultado deste hiato de mais de 5 minutos todo mundo conhece. Vagões cheios a qualquer hora do dia, independentemente dos horários de pico, momentos em que os vagões, aí, ficam abarrotados. E, ironicamente, o Metrô do Rio conseguiu piorar depois de privatizado. Nos anos 80, os intervalos eram abaixo de 2,30 minutos. Hoje, o intervalo mais que dobrou. Só que a população do Grande Rio e o número de usuários do sistema de transporte também dobrou.

Os trens, nem se fala. Quando o Engenhão foi idealizado ressaltaram sua praticidade pelo fato de a estação do Engenho de Dentro praticamente desembocar na porta do estádio. Pois bem, pegar o trem após uma partida com cerca de 20 mil presentes (que é menos da metade da capacidade do local) é uma aventura. Filas intermináveis, engarrafamento de gente nas passarelas e escadas de acesso à estação, confusão. Isso sem contar os vagões podres e abafados, os generosos e perigosos vãos entre a plataforma e o veículo e os enguiços frequentes na linha férrea.

Barcas e ônibus, bem, esses dispensam comentários sobre o desserviço que prestam à população. Motoristas sobrecarregados, mal-pagos e mal preparados. Veículos sem manutenção decente e sempre lotados nas horas de maior fluxo. Esse é o panorama de grande parte das linhas regulares de ônibus do Rio de Janeiro. Com as Barcas SA, intervalos enormes entre uma embarcação e outra, catamarãs à deriva na Baía de Guanabara, atrasos constantes.

E a autoridade pública quer porque quer que o cidadão se divirta com esses transportes que tratam a população como gado. Mas trata a pão de ló as concessionárias que os administram. Com todo o péssimo serviço e o achincalhe ao usuário, não se vê qualquer repressão por parte do Estado às concessionárias. Pelo contrário: as concessões do Metrô Rio, da SuperVia e das Barcas SA foram prorrogadas por mais de 25 anos cada. Para o governador, prefeito, deputados e vereadores tudo corre bem a bordo de seus confortáveis carros, helicópteros e jatinhos. Jamais devem ter pisado em um trem, metrô ou barca.

Agora, se a população se revolta, logo uma figura da esfera pública se apressa em taxar as pessoas como vândalas. Esquecem do genial Bertolt Brecht: “Falam das águas violentas de um rio, mas se esquecem das margens que a oprimem”. E, assim, nos tornamos cariocas, brasileiros. Atrás do próximo bloco carnavalesco, com o samba atravessado em um vagão ou correndo atrás de um ônibus.

Foto: Paulo Alvadia/Agência O Dia

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Que carro eu compro?

Quem trabalha ou já trabalhou na área automotiva já ouviu esta pergunta pelo menos uma dúzia de vezes. E uma dúzia de vezes deve ter ficado reticente em dar uma resposta. Automóvel no Brasil é muito pessoal. É como dar de presente perfume ou livro. A pessoa se identifica com um carro como se fosse a extensão de sua personalidade - claro, sempre de acordo com a sua conta bancária.

Mesmo assim, o interessado questiona como se quisesse um alvará para comprar o carro que, na verdade, ele deseja. Afinal, sempre depois da pergunta que dá nome ao título deste post, o potencial cliente automotivo emenda: "Mas o que você acha de carro tal?". No fundo, ele já está de olho nesse carro tal.

A motivação principal de um comprador de carro no Brasil geralmente é o design. As pesquisas e levantamentos dos departamentos de marketing das montadoras não deixam dúvidas: o desenho do carro é o principal motivo de compra de 60% a 80% dos consumidores, índices que variam de modelo para modelo e de marca para marca.

Claro que há uma dose de racionalidade. A pessoa pode optar pela minivan "bonitinha" porque lhe oferece mais espaço, ou pode preferir aquele sedã '"jeitosinho" devido ao porta-malas vantajoso. Mas na maioria das vezes tem de ter esses adjetivos destacados que agradam mais aos olhos do que proprimente à praticidade.

E ao cobrir a área, tem de se tomar cuidado justamente com a visão do consumidor. Nem sempre o que é importante para jornalistas automotivos é o que pesa mais para o cliente que vai à revenda em busca de um carro. Por mais que se critique que o automóvel A é apertado, que o carro B usa uma plataforma defasada ou que o veículo C não tem boa estabilidade, se o consumidor gostou do carro e percebeu que ele atende às suas necessidades, vai ficar com o A, o B ou o C.

O que não significa que o jornalismo automotivo seja inútil. Pelo contrário. Ele ajuda a elucidar vários pontos da indústria automobilística e dos veículos. E tem claro poder de influência na decisão de compra - em média, as matérias estimulam cerca de 30% dos clientes que vão à concessionária. Mas mesmo que a reportagem "descasque" um carro, um único elogio que apareça vai funcionar como aval para o leitor comprar o carro que ele acredita que atende aos seus anseios. Por mais que a gente diga que há outras opções "melhores".

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Rock Latino Americano: Las Pastillas del Abuelo


A primeira vez que ouvi esta banda argentina se deu em uma situação inusitada. Foi entre o Natal e o Reveillon de 2009. Eu e minha mulher estávamos em Buenos Aires e tínhamos acabado de retornar de Rosario. Resolvemos dar umas voltas pelo centro da capital argentina e quando estávamos em umas ruas próximas à Plaza de Mayo, ouvimos um som alto que mesclava música com gritos de ordem. Na curiosidade inerente ao casal, apertamos o passo para entender o que se passava. Avistamos a principal e emblemática praça argentina repleta de pessoas dos mais diferentes gêneros. Garotada descolada, hipongas, jovens com cartazes, outros com bandeiras, senhores de boina, alguns de terno, muitas camisas do Che para lá e para cá e ambulantes vendendo camisetas e CDs. Um palanque improvisado revezava grupos de rock com discursos. Era um protesto de movimentos sociais contra a truculência e violência policial, acusada de desaparecimentos e assassinatos durante os inflamados testemunhos de parentes e políticos. Pelo visto, os Esquadrões da Morte que aterrorizaram a Argentina durante a feroz Ditadura Militar dos anos 1970 continua ativa.

Pois bem, uma sequência de músicas me chamou a atenção e perguntei a um estudante ao meu lado de quem se tratava. Obviamente, não entendi uma sílaba sequer vinda daquele ser que tentava se equilibrar nas próprias pernas já abaladas por muitas doses de vodka. Fomos salvos por uma vendedora de bebidas, que explicou que a banda em questão era Las Pastillas del Abuelo. Não sei se eram os próprios no palco ou era um cover e também ninguém conseguiu decifrar minha dúvida. Mas o som me soou interessante, assim como o próprio nome da banda, que quer dizer algo como "As pílulas do vovô" ou "Os remédios do vovô". Percebi depois que os ambulantes vendiam muitas camisas do grupo - e de outros os quais anotei o nome em um pedacinho de jornal para depois garimpar e pesquisar nas lojas da cidade e na internet.

Depois de curtir mais de uma hora de show e uma diversidade de bandas, eu e minha mulher voltamos ao hotel com a ideia fixa na cabeça de no dia seguinte explorar as "novas bandas" na primeira loja de música que encontrasse na Florida. E a primeira na pauta seria, sem dúvida, Las Pastillas del Abuelo. Acabei comprando o primeiro disco – "Por Colectora" –, gravado em 2005 pelo conjunto que se formou três anos antes. E me dei conta, pela quantidade de camisas que eram vendidas na manifestação do dia anterior e pelo certo destaque no mostrador de CDs, que trata-se de uma banda bastante popular na Argentina. Comentam, inclusive, que é a de maior sucesso da Argentina desde a tragédia de República Cromañón.

Aqui, uma pequena pausa. Esse fato é considerado o momento mais triste e emblemático da história do RNA – Rock Nacional Argentino. Em 30 de dezembro de 2004, durante um show do grupo Callejeros, um incêndo na casa noturna República Cromañón matou 193 pessoas e deixou mais de 1.400 feridos. Um acontecimento que teve reflexos sociais, culturais e políticos. Quatro anos depois, o dono da casa, o ex-subcomissário de polícia e o ex-empresário dos Callejeros foram condenados a mais de 18 anos de prisão cada.

De volta ao pessoal das pílulas do vovô. CD no carro, a primeira coisa que me chamou a atenção no conjunto foi a voz bastante marcante e grave do vocalista Juan G. Fernández, o Piti. É ele quem conduz um repertório que mescla rock com pitadas de ritmos bem peculiares, como a Chacacera, dança típica do norte da Argentina cantada por índios – sim, na Argentina há índios, felizmente, como em Jujuy, onde um desavisado pode pensar que está na Bolívia. Essa "influência" pode ser percebida em "Perdido", do primeiro CD. Outra mistureba de rock com as raízes sulamericanas no álbum de estreia é "Saber Cuando Parar", com a batida do Candombe. Trata-se de um ritmo trazido por escravos entre os séculos 18 e 19 que se perpetuou principalmente no Uruguai. Ainda em "Por Colectora", "Cubano" traz uma introdução que remete a Buena Vista Social Clube e Santana. Mas também há uma boa dose de reggae em algumas músicas, como "Loco por Volverte a Ver".

As letras de Las Pastillas são carregadas de temas como amor e coisas do cotidiano, como "Contra Viento y Marea" e "Cerveza", só para citar algumas. Nas canções, é comum encontrar palavras de impacto, versos que falam de sexo, muitos palavrões sem qualquer gratuidade e algumas cutucadas sociais, como em "Donde Esconder Tantas Manos" e em "Por un Peso con Cincuenta". Uma das mais famosas é "El Sensei", uma balada acústica, mas há uma infinidade de canções interessantes para pesquisar e curtir. No My Space oficial da banda (www.myspace.com/pastillasdelabuelooficial) é possível ter uma canja de várias delas, como "Oportunistas - ¿Vivo en Cual Es?", "¿Que vicios tengo?", entre outras. No site oficial do grupo (www.pastillasdelabuelo.com.ar) também é possível saber mais sobre músicas e baixar canções em MP3 do último CD "Crisis", de 2008 – em 2006 eles lançaram o segundo disco, que leva o nome da banda, e agora preparam o próximo álbum "Versiones". Obviamente, eles também estão no Facebook (laspastillasdelabuelooficial) e no Twitter (twitter.com/#!/delabuelo).

A página oficial da internet, aliás, merece atenção. Visualmente causa estranheza e passa simplicidade, mas possui links para comprar músicas do Las Pastillas pelo iTunes. Também traz uma agenda de shows atualizada, fotos de apresentações, clipes e até uma lista linkável de bandas e músicas amigas. A descrição da banda no site é a parte mais divertida. Cada componente é classificado como um remédio – nem sempre para problemas nobres. Piti, por exemplo, é a pílula para disfunções eréteis. O guitarrista Diego Bozzalla é o remédio para a memória e o também guitarrista Fernando Vecchio é a receita para reumatismo. Já para o tecladista Alejandro Mondelo sobrou ser o remédio para a próstata e coube ao baixista Santi Bogisich ser a solução para pisão de ventre. Por fim, o baterista Juan Comas é a pílula para incontinência urinária e o saxofonista Joel Barbeito é a solução para manchas na pele. Se são hipcondríacos, não consegui descobrir. O fato é que essa turma de "remedinhos" deve ter a receita para lotar um estádio como o do Ferrocarril Oeste em um show que reuniu mais de 15 mil pessoas. Vídeos da apresentação tem aos montes no You Tube .

Semana que vem tem mais sobre alguma banda do cenário roqueiro latino americano!

Fotos: Site oficial do Las Pastillas del Abuelo