Sempre que há um evento no Rio de Janeiro, as autoridades públicas batem na tecla da mesma ladainha: “deixem o carro em casa”. Seja para um jogo de futebol mais importante, por conta de um show musical mais impactante, ou para o Carnaval, cujos cartazes para utilizar táxi, metrô, trens e ônibus, aliás, estão espalhados pela cidade. Linda esta iniciativa da Prefeitura. Se houvesse reciprocidade. Se o município oferecesse ao cidadão transporte público decente ou transporte de massa.
Principalmente transporte de massa, que inexiste no Rio de Janeiro e em outras grandes cidades do País. Há uma peculiar diferença entre transporte de massa e transporte público. O de massa é aquele que acomoda e leva um grande volume de pessoas, como trens, metrôs e barcas, essencial para a mobilidade nas metrópoles. O transporte público é o feito por ônibus, por exemplo. Pois bem, nenhum dos dois funciona no Rio de Janeiro. O transporte de massa é pífio, falho, de má qualidade, assim como o transporte público. E, mesmo assim, a autoridade pública reprime cada vez mais o uso de carros e quer que o folião, no Carnaval, fique à mercê do transporte que não tem nada de público.
Sou contra essa quantidade exagerada de carros nas ruas, mas eles são o reflexo do descaso de décadas para com o transporte na Cidade Maravilhosa. Foco no Rio porque faz parte do meu cotidiano, mas é nítido que São Paulo e muitas capitais brasileiras sofrem do mesmo mal. Alguém acha mesmo que o sujeito prefere ficar duas horas no engarrafamento se tivesse um metrô abrangente, pontual e de boa qualidade? Ou se pudesse usar um trem limpo, pontual onde não levasse chibatadas de seguranças?
A questão é que o transporte está lá, mas não funciona. Os intervalos entre uma composição e outra do Metrô Rio, por exemplo, são, em média, de 5,30 minutos. O erro já começa pelo contrato de concessão, aliás. Estabelecido em dezembro de 2007, o documento prevê que o intervalo deve ser de 4, 45 minutos na Linha 1 e de 6,30 segundos, na Linha 2. Detalhe, estabeleceram intervalos maiores justamente para a linha mais procurada, que liga a Pavuna e a Baixada Fluminense (onde o transporte público é ainda mais falho) ao Centro e à Zona Sul. E como assim 4,45 minutos? O metrô de Paris, muito mais complexo e ramificado que o carioca, tem intervalos de 1,30 minutos durante os horários de pico.
Todos os engenheiros de tráfego e especialistas em trânsito com quem já falei em entrevistas são unânimes: o metrô, para ser eficiente, tem de ter, no máximo, um intervalo de 2,30 minutos. O resultado deste hiato de mais de 5 minutos todo mundo conhece. Vagões cheios a qualquer hora do dia, independentemente dos horários de pico, momentos em que os vagões, aí, ficam abarrotados. E, ironicamente, o Metrô do Rio conseguiu piorar depois de privatizado. Nos anos 80, os intervalos eram abaixo de 2,30 minutos. Hoje, o intervalo mais que dobrou. Só que a população do Grande Rio e o número de usuários do sistema de transporte também dobrou.
Os trens, nem se fala. Quando o Engenhão foi idealizado ressaltaram sua praticidade pelo fato de a estação do Engenho de Dentro praticamente desembocar na porta do estádio. Pois bem, pegar o trem após uma partida com cerca de 20 mil presentes (que é menos da metade da capacidade do local) é uma aventura. Filas intermináveis, engarrafamento de gente nas passarelas e escadas de acesso à estação, confusão. Isso sem contar os vagões podres e abafados, os generosos e perigosos vãos entre a plataforma e o veículo e os enguiços frequentes na linha férrea.
Barcas e ônibus, bem, esses dispensam comentários sobre o desserviço que prestam à população. Motoristas sobrecarregados, mal-pagos e mal preparados. Veículos sem manutenção decente e sempre lotados nas horas de maior fluxo. Esse é o panorama de grande parte das linhas regulares de ônibus do Rio de Janeiro. Com as Barcas SA, intervalos enormes entre uma embarcação e outra, catamarãs à deriva na Baía de Guanabara, atrasos constantes.
E a autoridade pública quer porque quer que o cidadão se divirta com esses transportes que tratam a população como gado. Mas trata a pão de ló as concessionárias que os administram. Com todo o péssimo serviço e o achincalhe ao usuário, não se vê qualquer repressão por parte do Estado às concessionárias. Pelo contrário: as concessões do Metrô Rio, da SuperVia e das Barcas SA foram prorrogadas por mais de 25 anos cada. Para o governador, prefeito, deputados e vereadores tudo corre bem a bordo de seus confortáveis carros, helicópteros e jatinhos. Jamais devem ter pisado em um trem, metrô ou barca.
Agora, se a população se revolta, logo uma figura da esfera pública se apressa em taxar as pessoas como vândalas. Esquecem do genial Bertolt Brecht: “Falam das águas violentas de um rio, mas se esquecem das margens que a oprimem”. E, assim, nos tornamos cariocas, brasileiros. Atrás do próximo bloco carnavalesco, com o samba atravessado em um vagão ou correndo atrás de um ônibus.
Foto: Paulo Alvadia/Agência O Dia
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