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terça-feira, 29 de março de 2011

Carro nacional: passou da hora

Em um mundo totalmente globalizado e interligado, onde um veículo pode ter componentes dos cinco continentes do mundo, seria utópico falar em carro 100% nacional. Só que neste mesmo mundo de transformações econômicas e de novos países alçados ao posto de potências comerciais, o Brasil carece não de um carro nacional, mas de uma marca genuinamente brasileira. Muitos projetos ficaram para trás, como Gurgel e JPX, e o mais recente, a Troller, além de bem segmentado, está nas mãos da Ford. Ou seja, o Brasil é o único país do Bric (grupo de mercados emergentes composto por Brasil, Rússia, Índia e China) que não possui uma marca própria de automóveis.

O que me lembra uma frase de um entrevistado, à qual sempre gosto de citar e recorrer. Luiz Carlos Mello, ex-presidente da Autolatina e consultor do Centro de Estudos Automotivos (CEA), costuma dizer, com propriedade: “Temos uma indústria brasileira, mas não uma indústria automobilística nacional de fato”. É verdade que o executivo refere-se muito à flexibilidade para as filiais instaladas aqui exportarem para onde bem quiserem, mas a frase se aplica ao universo automobilístico. Uma marca nacional, com produtos de qualidade e com preços competitivos, pode ser o primeiro passo de uma transformação gradual de alguns paradigmas engessados do mercado.

Peculiaridades brasileiras já existem no cenário automotivo. Afinal, diversas marcas criaram carros e segmentos específicos para o mercado verde e amarelo. Pode-se dizer que sedãs, stations wagons e pick-ups compactas foram invencionices brasileiras. Até mesmo derivações sedãs de modelos médios são muito populares aqui – e também no Mercosul e na China, mas não têm qualquer força na Europa.

Muitas montadoras também aprenderam a lidar com o Brasil. A Renault é o exemplo recente mais emblemático. O Sandero foi o primeiro produto desenvolvido pela marca francesa fora da Europa. Hoje, é o carro mais vendido da montadora no Brasil. A Renault nada mais fez do que seguir a receita das quatro grandes fabricantes instaladas aqui, que há décadas desenvolvem modelos ou configurações específicas para o mercado nacional.

Mas e uma marca brasileira? João Augusto Conrado do Amaral Gurgel tentou com uma montadora que levava seu nome e com carros considerados, por muitos, revolucionários. A história diz que esbarrou em problemas de faltas de incentivos governamentais e pressão da concorrência. Eike Batista também tentou com a marca de jipes JPX, mas também não conseguiu dar prosseguimento devido a problemas com fornecedores e à falta de experiência da rede de concessionários.

O próprio empresário, contudo, em entrevista à Globo News, confirmou o intuito de desenvolver um veículo de uma marca nacional. Na ocasião, Eike disse que uma grande montadora ofereceu uma plataforma e a partir de uma equipe de engenheiros e designers brasileiros e com fornecimento de aço de duas siderúrgicas, é possível fazer um carro brasileiro. “Estamos com a auto estima no lugar certo e com base tecnológica, uma combinação explosiva e feliz”, comentou no programa “Conta Corrente”. Eike, inclusive, no ano passado já tinha revelado planos de investir US$ 1 bilhão para a fabricação de um carro elétrico na região do Porto do Açu, em São João da Barra (RJ), e ainda estaria em negociações com a Nissan.

Realmente o momento não poderia ser mais propício. Em 2010, o Brasil foi o quarto maior mercado de veículos do mundo. Temos 12 marcas diferentes com fábricas aqui, planos de expansão e projetos de novas unidades, como as da Toyota e da Hyundai. Só as chamadas quatro grandes – Fiat, Ford, General Motors e Volkswagen – vão investir mais de R$ 20 bilhões até 2015. As filiais remeteram nada menos que US$ 4 bilhões em lucros para as matrizes no ano passado e a projeção da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) é que daqui a quatro anos o mercado interno absorva 6 milhões de unidades.

O panorama é positivo, a economia vai muito bem, o poder aquisitivo aumenta e o mercado de automóveis bate recordes. Passou da hora de uma marca brasileira. Quem se habilita?

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terça-feira, 1 de março de 2011

Rock Latino Americano: Aterciopelados


Essa eu e minha mulher descobrimos enquanto descíamos as sinuosas estradinhas do Cañon del Chicamocha, um visual estonteante de cânions no coração da Colômbia. Tínhamos acabado de deixar as históricas e simpáticas Villa de Neyva e Barichara e estávamos rumo ao litoral caribenho colombiano quando sintonizamos mal e porcamente uma estação de rádio que tocava esta banda, que, provavelmente, muita gente já conhece (mas que eu, na minha ignorância musical, desconhecia). O Aterciopelados prepara o seu oitavo álbum, tem vários prêmios Grammy nas costas e os aficionados por games provavelmente já escutaram “Paces” no Fifa Soccer 2008. Em 2006, foi considerado pela revista estadunidense “Time” como o terceiro melhor grupo musical do mundo. Só que o fato mais emblemático desta dupla colombiana é que uma de suas músicas, “Cancion Protesta”, foi escolhida como o Hino dos Direitos Humanos pela Anistia Internacional (AI), cujo clipe é encontrado facilmente no You Tube (veja aqui).

A escolha da bela melodia dos Aterciopelados para ser o tema da AI é mais do que coerente. O grupo (ou dupla) sempre se caracterizou por evidenciar suas letras críticas. Antes mesmo de cantarem “Contra los talabosques/Contra los armaguerras/Contra los cazapatos/Contra los bajanota/Suena otra canción protesta/Pero no la llamen terrorista/No es que sea antipatriota/Es que trae otro punto de vista”, Andrea Echeverri e o baixista Héctor Buitrago já tinham cutucado o sistema com outras músicas. “Colombia Conexión”, “Bandera” e “Quemarropa” vêm carregadas de críticas políticas e sociais, enquanto “Caribe Atômico” faz questionamentos ambientais, que se tornaram uma vertente do Aterciopelados.


O engajamento se confunde com a própria dupla. No lançamento do último CD “Rio”, de 2008, com a música “Treboles”, o Aterciopelados promoveu um evento chamado “Ninguna Mata, Mata”, com ciclos de palestras, meditações, exposições, vídeos, grupos de canto, entre outras ações que tiveram como tema o meio ambiente. No site da dupla (www.aterciopelados.com) há um vídeo experimental sobre um “Green Man” e outros links sobre questões sociais e “verdes”, como o “Canto al Água” e até a íntegra de uma decisão judicial sobre “La Mata que Mata”, uma campanha publicitária do Ministerio de Interior y Justicia y a la Dirección Nacional de Estupefacientes da Colômbia, considerada ofensiva e prejudicial aos direitos individuais de uma índia Nasa, que é responsável pela Coca Nasa, bebida à base da planta de coca.

Essa preocupação social dita a carreira do Aterciopelados desde seu início. O conjunto surgiu em 1990, sob a alcunha de Delia y los Aminoácidos. Dois anos mais tarde adotou o nome atual. O lançamento do primeiro álbum “Con el Corazón en la Mano” aconteceu em 1994. Foi o segundo CD, contudo, que evidenciou a banda. “El Dorado”, de 1995, vendeu mais de um milhão de cópias (600 mil fora da Colômbia) e trouxe canções como “Florecita Rockera”, “La Estaca”, “Candela” e “Bolero Falaz”, música que ganhou projeção na MTV Latina. Andréa Echeverri ainda participou do disco “Umplugged”, do Soda Stereo (grupo argentino que também vai figurar na série sobre Rock Latino Americano deste blog, em breve), e da faixa "Tudo Vai Ficar Bem", dos brasileiros do Pato Fu.


Outros discos vieram e depois de trabalhos solo de cada um dos protagonistas da banda, lançaram “Oye”, em 2006. “Cancion Protesta” faz parte deste álbum, que ainda conta com a excelente e ácida “Don Dinero”, uma crítica clara ao consumismo desenfreado e ao imperialismo das grandes potências. O Grammy Latino veio neste CD, considerado o Melhor Álbum de Música Alternativa. As turnês pelas Américas e pela Europa tomaram a agenda da dupla.

O Aterciopelados, aliás, é considerado um grupo de rock alternativo, adjetivo que, na minha humildíssima opinião, inventam para rotular toda banda que busca outros ritmos, como muitas que vou falar nessa série sobre Rock Latino Americano. É verdade que o álbum “Caribe Atômico”, de 1998, tem um lado “alternativo” bastante evidente e uma pegada eletrônica interessante, tanto que rendeu ao grupo outro Grammy, desta vez de Melhor Álbum de Rock Alternativo Latino.


O fato é que a dupla colombiana em questão não foge de suas raízes latinas. Nem mesmo em seu figurino, onde os dois usam e abusam de vestimentas indígenas e tradicionais da Colômbia. Além disso, o Aterciopelados usa de toques de rumba e salsa em muitas de suas canções, como “El Álbum” e “La Colpable”. A faceta rock fica evidente em músicas como “La Estaca” e “Florecita Rockera”. Também busca ritmos indígenas em “Dia Paranormal”, pitadas claramente pop em “No Necesito”, “Treboles” e “Rio” e até um passeio pelo tango em “Maligno”.
Muitas destas canções relacionadas podem ser escutadas no My Space oficial do grupo (myspace.com/aterciopelados). No site da dupla também é possível escutar outras, entre elas “Ataque de Risa”. Tem mais deles no Facebook (facebook.com/aterciopelados) e é possível segui-los no Twitter (@aterciopelados). Boas maneiras de conhecer melhor a banda, suas músicas e suas ações engajadas, que sempre merecem reflexão. Seja no Cañon del Chicamocha ou deitado no chão da sala.

Fotos: Site oficial do Aterciopelados